segunda-feira, 14 de junho de 2010

Leite Derramado

Preu não me sentir sozinha enquanto escrevo o trabalho sobre romance histórico, vai uma resenha que fiz sobre o livro...


Leite Derramado, Chico Buarque
 
Juliana Cristina da Silva

 
            Eulálio Montenegro D`Assumpção (sem pronunciar o “p” mudo para não causar deboche) é o protagonista do novo romance de Chico Buarque, Leite Derramado, publicado pela Companhia das Letras.
            Este senhor com pouco mais de 100 anos, encontra-se em um leito de hospital, de onde narra suas memórias e pensamentos, nem sempre cronológicos, seja porque sua memória já o confunde ou por estar sob efeitos dos medicamentos, por isso muitas vezes na obra aparece: “Não sei se já lhes contei alguma vez como conheci Matilde na missa do meu pai...”; as pessoas para quem ele conta os fatos são as enfermeiras, sua filha ou apenas divagações.
            Dentro desse emaranhado de pensamentos e lembranças nos damos conta de aspectos da história do Brasil, dos acontecimentos na sociedade do Rio de Janeiro do século passado, falar em francês na presença dos empregados, por exemplo, e até mesmo feitos dos familiares desse ancião na Europa. A partir do “quebra-cabeça histórico” apresentado, podemos encontrar referência à vinda da família real portuguesa, com a qual veio o seu trisavô, à belle épóque, à Segunda Guerra Mundial, à quebra da bolsa de Nova Iorque e à ditadura militar. Todos esses fatos nos são narrados para lembrar da importância do seu sobrenome perante a sociedade que aos poucos, com a vinda dos netos, bisnetos e tataranetos vai tornando-se cada vez menos importante, pois antigamente era um sobrenome que lhes abriam portas e agora no presente não influencia em mais nada.
            Chico Buarque, através do apanhado de informações, faz uso muito refinado da linguagem, usando flash-backs não-lineares, confundindo o leitor e inserindo a temática do racismo com sutileza, como por exemplo a Matilde que é descrita como “a mais escurinha das irmãs” ou o seu desejo sobre o seu colega filho de escravo.
            Sob meu olhar de leitora, este romance está próximo ao Budapeste, com histórias e personagens diferentes, claro, mas com uma certa aproximação na vida das personagens, ambos estão “perdidos”, ou melhor, em algum tipo de decadência, e próximo também ao Estorvo, pela descrição das cenas no Rio de Janeiro. Quanto à forma da linguagem, certamente Chico Buarque cresceu muito neste, Leite Derramado, pois ele consegue prender o leitor durante toda a narrativa, talvez pela empatia que o velho Eulálio nos causa ao contar sobre sua amada Matilde, mas principalmente pelo primor da escrita, na maioria das vezes parecendo fluxo de consciência, e aí está o primor da obra, Chico consegue fazer uso da linguagem como poucos, prendendo e confundindo o leitor na narrativa, mas sem que ele tenha se perdido ao elaborar a obra.
            Com as características apontadas sobre traços históricos, outro traço que podemos destacar na obra é o traço psicológico do protagonista, a partir das descrições e lembranças dele, é possível analisar a falta que fez uma estrutura familiar, o quanto o deixou perdido as viagens com o pai para a Europa e a aproximação das moças nas sofisticadas suítes dos hotéis, conhecer a neve das montanhas etc. Creio que também o que marca psicologicamente o protagonista é a presença/ausência de Matilde, presente sempre em suas memórias, mas ausente a partir de alguns acontecimentos e é quando Eulálio relembra da amada que seus pensamentos se confundem.
            Vale a pena dedicar alguns momentos para conhecer melhor esse velho saudosista e se perder entre as palavras derramadas nesse novo romance do Chico Buarque.


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